Como já foi dito no Post Satanismo na Idade Média,
a Inquisição tem início no combate a heresia Cátara, na França (e já
vamos falar sobre isso). Para que não seja preciso repetir o que já foi
dito sobre quem são os Cátaros, recomendo a leitura desse Post citado.
Mesmo começando no processo contra os
Cátaros, o início oficial da Inquisição se dá com o Papa Gregório IX,
com as bula ‘Ille humani generis” e a “Licet ad capiendos”. Ambas são referentes a Inquisição e contém declarações sobre esse processo, como:
Portanto
vós.., estais autorizados.., a privar clérigos de seus benefícios para
sempre, e agir contra eles e todos os outros, sem apelação, chamando a
ajuda do braço secular, se necessário.
Essa declaração estava sendo dirigida
aos Dominicanos, Ordem fundada por Domingos de Gusmão. O tribunal
estabelecido pelo Papa também era composto por Irmãos Dominicanos.
Na verdade, a bula que instituiu a
Inquisição é a “Excommunicams”, que determinava como os Inquisidores
profissionais deveriar localizar e persuadir os hereges para que eles se
retratassem. No entanto, as outras bulas costumam ser mais citadas
porque nessas determinações, da “Excommunicams”, não tinha nada que
pudesse ser entendido como “cruel”ou como tentativa de reprimir a crença
alheia através da “força”.
A ideia era preservar a disciplina
eclesiástica, tentando acabar com o sincretismo das Religiões. Só que,
como já sabemos, essa ideia não permaneceu tão simples assim.
Em contrapartida, um pouco antes da ‘“Licet ad capiendos”, Gregório
IX havia lançado a bula “Etsi Judaeorum”, em que ele determinava que os
judeus, nos países cristãos, fossem tratados com a mesma humanidade com
que os cristãos desejavam ser tratados em “terras pagãs”.
É uma bula que merece elogios (diferente
das demais já citadas). O curioso é que alguns anos depois, apesar de
ter “julgado” em favor dos judeus, isso não o impediu de – também com
outra bula – inspecionar e confiscar os livros do Talmud Judaico, pelos
prelados de França e Espanha.
Enfim, o importante é que em 1234 a
Inquisição já estava oficialmente ativa, tendo dois Inquisidores
oficiais, nomeados para atuar em Toulouse.
O Combate Intelectual
Voltando a época dos Cátaros, já sabemos
que as práticas inquisitórias surgiram justamente na Cruzada
empreendida contra os Cátaros. Em 1209 (por exemplo), Simon de Montfort
(juntamente com seu exército) já havia queimado muitos cátaros nas
terras da França, no início da Cruzada Albigense.
Quanto ao que aconteceu, não há muito o
que questionar, mas existem algumas teorias com relação a participação
de algumas pessoas nesse processo.
Há divergências entre alguns
historiadores com relação ao papel de Domingos de Gusmão para o
surgimento da Inquisição, principalmente com relação a ele estar a favor
ou não de que essa crença fosse eliminada a força.
Portanto, vamos falar primeiro de como
Domingos teve contato com esse movimento, na França. Depois, passaremos
para as especulações.
Pouco menos de dois anos antes da
Cruzada Cátara ter início, o Bispo de Osma passava pelo sul da França,
juntamente com o subprior dos monges da catedral de Osma, Domingos de
Gusmão. Lá ele passava a conhecer um enorme grupo de heréticos que tinha
muita força na região e que não poderia ser ignorado pela Igreja.
Domingos de Gusmão havia estudado por
mais de 10 anos na Universidade de Palência e era conhecido pela sua
retórica e grande capacidade nos debates. Antes dessa viagem com o bispo
de Osma, Domingos já havia feito seu primeiro contato com os Cátaros há
poucos anos, em sua primeira viagem à frança. Viagem essa que, ao que
parece, lhe causou certa indignação.
Os Cátaros se diferenciavam por terem
pregadores itinerantes, que eram muito respeitados pelo seu
discernimento, conhecimento teológico e articulação dos argumentos, bem
diferente dos Padres locais, que eram muito ignorantes e mal educados,
totalmente incapazes de ter um debate teológico profundo.
Além do mais, a alta hierarquia dos
eclesiásticos era conhecida por seu luxo e extravagância, que também era
muito diferente dos Cátaros, que eram pessoas muito pobres e simples.
Diante disso, Domingos decidiu combater
os Cátaros dentro de seu próprio jogo. Para fazer frente aos pregadores
itinerantes dos Cátaros, ele estabeleceu sua rede de monges itinerantes
que foram educados e preparados adequadamente para os debates religiosos
e eruditos. Além disso, eles também levavam uma vida muito simples
(como realmente deveriam se comportar os membros do clero).
Domingos foi o primeiro a usar a cultura como ferramenta de crescimento para a Igreja.
As Especulações
Devido a esse “envolvimento” com relação
aos Cátaros, muitas especulações surgiram acerca de Domingos de Gusmão.
Uma delas é um discurso, atribuído a ele, no qual incentivaria o uso da
força quando as palavras não funcionassem.
Por muitos anos já,
tenho-vos entoado palavras de doçura, pregando, implorando, chorando.
Mas como diz a gente de minha terra, onde a bênção não adianta, a vara
prevalecerá. Agora convocaremos contra vós chefes e prelados que, ai de
mim, se reunirão contra esta terra… e farão com que muita gente pereça
pela espada, arruinarão vossas torres, derrubarão e destruirão vossas
muralhas, e vos reduzirão a todos à servidão.., a força da vara
prevalecerá onde a doçura e as bênçãos não conseguirão realizar nada.
Há também uma especulação quanto a forma com que Domingos cuidava de sua imagem.
Sabendo que sua imagem de asceta era
importante, conta-se que ele tinha o hábito de, ao se aproximar de uma
hospedaria noturna que ele fosse passar a noite, ele parava em um rio
para beber à vontade, para que assim pudesse não beber quase nada depois
(na frente das pessoas) e manter a sua imagem de dureza, severidade e
temperança.
Mas, como já foi dito, esses pontos se
tratam apenas de especulação. Só as coloquei porquê (como muitos já
perceberam, no decorrer do blog) eu defendo a importância de se estudar
as várias teorias diferentes de um mesmo elemento.
A nível de curiosidade, Domingos só
começou a ser visto como Inquisidor a partir da afirmação de Bernardo
Gui (XIV), um famoso inquisidor dominicano, que tentou colocar o
fundador de sua ordem (Domingos) como sendo um grande inquisidor. Para
quem não conhece, Bernard Gui chega a aparecer na Obra de Umberto Eco,
“O Nome da Rosa”. Para quem não viu o filme, recomendo.
Por fim, independente de qualquer uma
dessas coisas, Domingos foi um grande homem – de muita importância para a
Igreja – que, ao meu ver, não tem o reconhecimento que deveria pelos
católicos do nosso País. A grande maioria (para não dizer todos) sabe
quem foi Agostinho, São Tomás de Aquino, São Francisco de Assis e vários
outros, mas nunca ouviram falar de São Domingos de Gusmão.
O próximo Post da categoria (“A
Inquisição foi mesmo tão Cruel?”) deveria ser parte desse Post, mas como
está muito grande (e esse também já está), terá que ficar para o
próximo mesmo.
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